Juul: Nicotina viral em ameaça

por
Letícia Dal Corso

Lançada em 2015, a empresa americana Juul Labs alcançou em 2018 cerca de 70% da participação no mercado de cigarros eletrônicos de acordo com pesquisas realizadas pela Nielsen. Com um valuation (valor de mercado) de aproximadamente US$ 38 bilhões, tornou-se uma das startups mais valiosas do Vale do Silício na época. 

Apesar de todas as discussões envolvendo o nome da  empresa, a Altria (segunda maior empresa de tabaco do mundo) investiu em 2018 US$ 12,8 bilhões na Juul Labs. Com o negócio, a Altria adquiriu 35% da companhia líder do setor e conquistou em poucos anos o que nenhuma outra empresa da indústria tabagista havia conquistado até então. Do outro lado, a Juul ganhou experiência e inteligência de mercado de um gigante global e, principalmente, o jogo de cintura necessário para questões mais polêmicas e delicadas.

Mas o que faz este cigarro eletrônico ser tão diferente dos outros?

A verdade é que, apesar de ser um cigarro, ele pouco se parece como um. Seu design compacto pode facilmente ser confundido com um pendrive, permitindo aos fumantes o consumo com menor preocupação em relação ao estigma social, de forma discreta e livre de odores.

Por falar em discrição, essa é considerada a maior mudança entre os cigarros convencionais e os eletrônicos. Enquanto a primeira geração imitava a forma e as cores dos cigarros comuns, a segunda e terceira geração focaram em produtos maiores e customizáveis, com uma bateria de vida longa e grandes “hits” de fumaça. Veio então o Juul, com versão despojada, sem botões, sem grandes nuvens de fumaças ou processos complicados de recarga da substância, além da capacidade de absorção da nicotina pelo corpo muito similar ao convencional. A marca, ainda, apela para a variedade de cores e sabores fazendo com que o aparelho seja um produto associado à tecnologia (característica com a qual os jovens já estão familiarizados). 

Fonte: techrepublic.com

Esta é, por sinal, a principal razão que deu ao Juul o apelido de “iPhone dos cigarros eletrônicos”. Essa similaridade faz sentido, uma vez que os fundadores da empresa se conheceram na escola de design de Stanford e um deles, Adam Bowen, trabalhou como engenheiro de design na Apple.

Quando recém lançado, a comunicação de marketing do Juul muito se parecia com os antigos anúncios da indústria tabagista, retratando momentos relaxantes, viagens, liberdade e sex appel. Como é sabido, atualmente é proibido que o segmento faça uso de propagandas do gênero, entretanto, para as empresas de cigarros eletrônicos que possuíam produtos no mercado antes de 2016 essas estratégias não eram reguladas. 

Fonte: JUUL Advertising Over its First Three Years on the Market" by Stanford Research into the Impact of Tobacco Advertising

No livro "A Lógica do Consumo", Martin Lindstrom busca validar o papel da publicidade subliminar que, desde a década de 1950, popularizou-se em desenhos, músicas, filmes, entre outros. Para comprovar a sua eficácia, o autor recrutou fumantes para assistirem imagens subliminares do velho oeste americano e, em seguida, imagens explícitas de publicidade de cigarros (logomarcas do Marlboro e Camel). Ao final, percebeu-se que, na comparação das reações cerebrais, o nucleus accumbens (região cerebral da via de recompensa que gera prazer) foi ativado mais intensamente quando os fumantes visualizavam as imagens subliminares, confirmando sua maior efetividade.

Ao que tudo indica, a ideia original de tornar o cigarro eletrônico um aliado na guerra contra o vício parece estar longe do seu propósito. Ao contrário, preocupa cada vez mais pelo crescente consumo e dependência da nicotina em meio à nova geração. Por esse motivo, em novembro de 2018, a empresa anunciou que seus perfis no Instagram e Facebook não seriam mais alimentados, e que sua presença no Twitter e YouTube se restringiriam à comunicação não promocional. 

Ainda em setembro do mesmo ano o FDA (agência federal americana equivalente à ANVISA no Brasil) considerou o uso de cigarros eletrônicos uma "epidemia" motivada pela rápida disseminação entre a população jovem, em grande parte atribuída pela viralidade online. Inclusive, no Brasil o produto tem sua comercialização proibida.

Hoje, ainda que estejamos falando de um mercado bilionário, a companhia lida com uma importante queda na valorização de suas ações (de US$ 38 bilhões em 2018 para US$ 12 bilhões em 2020). A queda se deve muito à multiplicação de doenças relacionadas ao uso do dispositivo e, por essa razão, em 2019, o FDA lançou uma investigação sobre o assunto e vem analisando a possibilidade de proibir totalmente vapers aromatizados (o que representa 80% das vendas domésticas da Juul).

"Melhorar a vida de um bilhão de fumantes adultos no mundo", essa é a missão declarada pela Juul. Na suposta intenção de resolver um problema mundial entregando nicotina pura (sem outras substâncias cancerígenas), temos uma nova geração viciada em uma nova forma de se entregar nicotina e sem saber ao certo quais os danos à longo prazo. Com isso, o problema do vício, amplamente estudado nos principais núcleos de pesquisa do mundo, toma proporções ainda maiores. 

Foto capa: vox.com

Editada por: Xtrategy4